quarta-feira, 23 de março de 2016

Importantes Temas no Evangelho de Marcos



O Reino de Deus

            Vimos logo no início do Evangelho de Marcos que depois que João Batista foi preso, Jesus voltou para a Galileia proclamando a Boa Nova de Deus: "O tempo já se cumpriu, e o Reino de Deus está próximo.  Convertam-se e acreditem na Boa Notícia".

            Jesus estava atento aos fatos e descobria neles os sinais da presença do reino.  À medida que Jesus vai agindo, o Reino vai se tornando cada vez mais próximo.  Os atos libertadores de Jesus vão fazendo o reinado de Deus aproximar-se cada vez mais.

            Naquele tempo, todos esperavam o Reino de Deus, mas cada um a seu modo.  Para os fariseus, o Reino só chegaria quando a observância da Lei fosse perfeita.  Para os essênios, quando o país fosse purificado.  Jesus dizia "o Reino já chegou!".  Já estava alí!  Aquilo que todos esperavam, já estava presente no meio do povo, e eles não o sabiam, nem o percebiam.  Jesus o percebeu!  E é exatamente esta presença escondida do Reino no meio do povo, que ele quer anunciar e revelar aos pobres e excluídos da sua terra, lá na Galiléia.

            Jesus quer que todos descubram a Boa Nova do Reino.  Ele ajuda o povo prestando serviço de muitas maneiras: expulsa maus espíritos (Mc 1, 39), cura os doentes e os maltratados (Mc 1, 34), acolhe o marginalizados e confraterniza com eles (Mac 2,15), etc.  Todo este serviço fazia parte da Boa Nova e revelava ao povo a presença do Reino (Mt 11,5).

            Em Jesus, tudo é revelação.  Ele anuncia, chama e convoca.  Atrai, consola e ajuda.  É uma paixão que se revela.  O serviço de Jesus é sinal de seu amor pelo Pai e pelo povo que sofre.  Ele não só anuncia a Boa Nova do Reino.  Ele mesmo é uma amostra, um testemunho vivo do Reino.  Nele aparece aquilo que acontece quando um ser humano deixa Deus reinar, tomar conta de sua vida.  Pelo seu jeito de conviver e de agir, Jesus revelava a vontade e o desejo do Pai para o seu povo.

            O anúncio do Reino começou pequeno como uma semente, mas foi crescendo até tornar-se árvore grande, onde o povo todo procurava um abrigo (Mc 4, 31-32).






O Segredo Messiânico: por que Jesus não se revela?
  
            O texto da transfiguração de Jesus (9, 2-13) que estudamos e meditamos recentemente nos traz uma das atitudes típicas de Jesus no Evangelho de Marcos: “Ao descerem da montanha, Jesus recomendou-lhes que não contassem a ninguém o que tinham visto, até que o Filho do Homem tivesse ressuscitado dos mortos”. Jesus não quer ser reconhecido como o Filho do Homem e o Messias antes de passar pela morte e ressurreição.  Até lá isso é um segredo.  Por que Jesus não se revela? Qual é o objetivo que levou Marcos a insistir tanto no tema do segredo messiânico?

            No tempo de Jesus, a maior parte da população da Palestina vivia em condições miseráveis, sem nenhuma perspectiva de uma vida melhor.  Eles eram marginalizados e explorados pelos romanos e pela elite da Palestina que colaborava com a dominação romana para manter seus privilégios.

            Nesta situação de extrema crise e desespero, o povo espera ansiosamente por um “Messias”, um rei guerreiro e vitorioso, que libertaria miraculosamente Israel do domínio e restauraria a gloriosa hegemonia judaica dos tempos de Davi e Salomão sobre outras nações.  A festa das tendas, cenário da transfiguração (cf. Mc 9,5), era uma celebração nacional de Javé rei e a festa preferida pelo povo para manifestar tal esperança messiânica e triunfalista.

            Nesta expectativa messiânica, Jesus de Nazaré aparece diante do povo com fama de ser um homem poderoso e milagreiro.  Na medida que Jesus fazia os milagres, a expectativa do povo em torno dele aumentava.  Foi nesta febre messiânica que o povo queria consagrar Jesus como seu rei triunfante após a multiplicação dos pães (cf. Jo 6, 14-15).

            A imagem do Messias que nasce da prática de Jesus (cf. Mc 1, 41; 2, 15; 10, 45; 11, 17) é exatamente o contrário da imagem apresentada pelas ideologias messiânicas do seu tempo.  Jesus certamente queria libertar o povo de Israel de todas as suas opressões, mas de outro jeito.  Por isso, Jesus não se apresentou como Messias, mas a partir de sua vida e sua prática foi reconhecido pelos pobres como o enviado de Deus. Ele insiste no messianismo do Servo Sofredor de Javé, anunciado pelo profeta Isaias (Is 53, 1-13).  Sua missão consiste em passar pela paixão-morte-ressurreição, e isso ele dizia abertamente (cf. Mc 32a ).

            O messianismo triunfalista não é parte apenas do passado, ainda hoje ele é moda. No mundo onde grande parte da população vive em condições miseráveis e parte parece ter perdido o sentido de viver, os movimentos messiânicos aumentam cada vez mais o número de seus membros.  Em toda parte há pessoas que rezam, cantam e fazem promessas de diversos tipos, pedindo intervenção imediata de Deus para a solução dos problemas sem nenhum tipo de comprometimento.  Muitas pessoas esquecem da presença de Deus já encarnado neste mundo e nada fazem para melhorar a situação injusta e desumana junto com Ele.




Discípulo e Comunidade de Jesus

                  O Evangelho de Marcos é uma escola para se tornar discípulo e discípula do Senhor, assumindo o seguimento de Jesus e a vida em Comunidade. Nele vemos retratados os desafios e as dificuldades que afetam os discípulos de Jesus e a vida em Comunidade de fé. Mas encontramos, sobretudo, o incentivo e a esperança de quem deseja trilhar o caminho do serviço, da humildade e do amor; o caminho de Deus, que passa pela cruz.
                  É preciso fazer este caminho com o coração cheio de esperança; colocar nossos pés nas pegadas dos discípulos; ter atenção aos lugares, ao ambiente e às pessoas; perceber os sentimentos presentes no coração do povo, dos interlocutores, dos discípulos e do próprio Jesus; no entanto, o mais importante é ter os nossos olhos fixos na pessoa de Jesus que se revela como o Filho de Deus, esperança de vida e salvação para a humanidade e para cada um de nós, em particular.
                  A ação e a mensagem de Jesus se entrelaçam nas tramas da história, nas reações humanas de acolhimento e rejeição, adesão e suspeita, entusiasmo e perplexidade. No entanto, o evangelho de Marcos é o perfeito retrato de cada um de nós e de nossas Comunidades que buscam a face do Senhor e desejam viver a vida de fé em meio às incertezas, inseguranças e instabilidades deste mundo. Os discípulos sentiram as mesmas dificuldades que sentimos. A Comunidade de Marcos passou por desafios semelhantes aos nossos. É preciso se colocar na escola de Jesus, na procura de respondermos sempre e em toda parte: “Quem é Jesus e quem são os seus discípulos?”
                  O evangelho mostra claramente, um entusiasmo inicial empolgante – como todas as pessoas que fazem planos, iniciam uma atividade ou desejam seguir um caminho. Todos se sentem atraídos pela pessoa de Jesus e animados pelos seus “milagres”. Porém, logo começam as contradições e Jesus passa a não corresponder com a idéia que eles faziam do “Messias” esperado. Jesus e sua proposta parecem incomodar e criar dificuldades nos diferentes grupos. Surge a luz escura da cruz e o não-entendimento toma conta do coração deles. Os discípulos terminam cheios de assombro, não compreendendo a pessoa de Jesus e sua missão e com medo. No final, poucas pessoas conseguem ver aquilo que já estava dito no primeiro versículo do evangelho, que Jesus era o Filho de Deus. É gritante a contradição, pois o reconhecimento vem por parte de um cego, Bartimeu (10, 52) e de um pagão, soldado romano (15,39). Apesar disso, na conclusão do evangelho cresce a vitória sobre a morte e aparece como luz irradiante a Boa Notícia (15, 42ss): “Ele vai à vossa frente para a Galiléia” (16,7), lá onde tudo começou. É o convite a refazermos o caminho com Jesus, o caminho da vida nova e da salvação.
                  Assim, o discípulo e a Comunidade de Jesus devem percorrer o caminho do evangelho para estarem com Jesus e compartilharem seu destino e sua missão.


Ausência e Presença de Jesus:  O túmulo vazio

            Como conta o “final original” do Evangelho de Marcos, no primeiro dia da semana, três mulheres levam perfumes com a intenção de ungir o corpo de Jesus dizendo entre si “Quem vai tirar para nós a pedra da entrada do túmulo?”  Tudo parece indicar fragilidade e pequenez.  Elas haviam testemunhado o trágico desfecho da vida de seu Mestre (Mc 15, 40 – 41) e agora estão diante do mistério do túmulo vazio.  Nesta hoja elas receberam o anúncio e o encargo de comunicar aos discípulos que se dirijam à Galiléia.  O susto e o medo destas mulheres refletem a ambigüidade das atitudes diante da mensagem central de todos os Evangelhos – a ressurreição de Jesus.
           
            Marcos 16, 1-8 constitui o final primitivo do Evangelho que relata o anúncio de um jovem às mulheres “Ele ressuscitou! Ele não está aqui” e testemunha a experiência da ressurreição pelo fato de que o túmulo está vazio.  Neste primeiro e mais antigo final do Evangelho não há relato de aparições de Jesus.  O sinal da ressurreição é o túmulo vazio “Vejam o lugar onde o puseram”.  A experiência da ressurreição não é apenas um encontro com um corpo redivivo, mas um convite para encontrar Jesus onde tudo começou:  na Galiléia, no anúncio da Boa-Notícia (Mc 1, 14-15).  A ordem é voltar para a missão.

O túmulo vazio é o sinal de que a ação de Deus em Jesus não termina aí,na morte e no medo.  Jesus de Nazaré ressuscitou e vai estar de novo no lugar onde havia começado sua atividade: na Galiléia.  Os discípulos só poderão encontrar-se denovo com Jesus, se continuarem o projeto por ele iniciado. (Bíblia Pastoral)
                         

            Marcos nos convida a fazer a experiência da ressurreição no retorno à missão. É na comunidade missionária que Jesus se faz presente, vivo, ressuscitado, pela fração do pão pela Palavra.  É na comunidade que escutamos a Palavra viva que nos vem através do testemunho das mulheres que receberam o anúncio “Não fiquem assustadas... Ele ressuscitou!”. 
           
            Crer na ressurreição é voltar para a Galiléia, reunir a comunidade, afugentar o medo e a tristeza, partilhar as experiências na alegria, continuar a missão de Jesus através da vivência em comunhão e da solidariedade com os mais necessitados. Muitas vezes os discípulos deixaram de entender o que Jesus dizia e fazia (Mc 6, 52; 8, 17; 9, 10-32). No retorno a missão tudo irá começar a clarear, os gestos e as palavras de Jesus irão atingir plenamente seus significados.

Hoje somos convidados a fazer o mesmo:  celebrar a páscoa, a ressurreição de Jesus Cristo que se manifesta na missão da Igreja, que leva vida a todas as pessoas.  Também somos chamados a descobrir e ir ao encontro de Jesus nas “Galiléias” de hoje, onde encontramos apelos por “boas-notícias” e fazemos a experiência da páscoa do Senhor, de sua morte e ressurreição.


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