Vimos logo no início do Evangelho de
Marcos que depois que João Batista foi preso, Jesus voltou para a Galileia
proclamando a Boa Nova de Deus: "O tempo já se cumpriu, e o Reino de
Deus está próximo. Convertam-se e
acreditem na Boa Notícia".
Jesus estava atento aos fatos e
descobria neles os sinais da presença do reino.
À medida que Jesus vai agindo, o Reino vai se tornando cada vez mais
próximo. Os atos libertadores de Jesus
vão fazendo o reinado de Deus aproximar-se cada vez mais.
Naquele tempo, todos esperavam o
Reino de Deus, mas cada um a seu modo.
Para os fariseus, o Reino só chegaria quando a observância da Lei fosse
perfeita. Para os essênios, quando o país
fosse purificado. Jesus dizia "o
Reino já chegou!". Já estava alí! Aquilo que todos esperavam, já estava
presente no meio do povo, e eles não o sabiam, nem o percebiam. Jesus o percebeu! E é exatamente esta presença escondida do
Reino no meio do povo, que ele quer anunciar e revelar aos pobres e excluídos
da sua terra, lá na Galiléia.
Jesus quer que todos descubram a Boa
Nova do Reino. Ele ajuda o povo
prestando serviço de muitas maneiras: expulsa maus espíritos (Mc 1, 39), cura
os doentes e os maltratados (Mc 1, 34), acolhe o marginalizados e confraterniza
com eles (Mac 2,15), etc. Todo este
serviço fazia parte da Boa Nova e revelava ao povo a presença do Reino (Mt
11,5).
Em Jesus, tudo é revelação. Ele anuncia, chama e convoca. Atrai, consola e ajuda. É uma paixão que se revela. O serviço de Jesus é sinal de seu amor pelo
Pai e pelo povo que sofre. Ele não só
anuncia a Boa Nova do Reino. Ele mesmo é
uma amostra, um testemunho vivo do Reino.
Nele aparece aquilo que acontece quando um ser humano deixa Deus reinar,
tomar conta de sua vida. Pelo seu jeito
de conviver e de agir, Jesus revelava a vontade e o desejo do Pai para o seu
povo.
O anúncio do Reino começou pequeno
como uma semente, mas foi crescendo até tornar-se árvore grande, onde o povo
todo procurava um abrigo (Mc 4, 31-32).
O Segredo Messiânico:
por que Jesus não se revela?
O
texto da transfiguração de Jesus (9, 2-13) que estudamos e meditamos
recentemente nos traz uma das atitudes típicas de Jesus no Evangelho de Marcos:
“Ao descerem da montanha, Jesus recomendou-lhes que não contassem a ninguém o
que tinham visto, até que o Filho do Homem tivesse ressuscitado dos mortos”.
Jesus não quer ser reconhecido como o Filho do Homem e o Messias antes de
passar pela morte e ressurreição. Até lá
isso é um segredo. Por que Jesus não se
revela? Qual é o objetivo que levou Marcos a insistir tanto no tema do segredo
messiânico?
No
tempo de Jesus, a maior parte da população da Palestina vivia em condições
miseráveis, sem nenhuma perspectiva de uma vida melhor. Eles eram marginalizados e explorados pelos
romanos e pela elite da Palestina que colaborava com a dominação romana para
manter seus privilégios.
Nesta
situação de extrema crise e desespero, o povo espera ansiosamente por um
“Messias”, um rei guerreiro e vitorioso, que libertaria miraculosamente Israel
do domínio e restauraria a gloriosa hegemonia judaica dos tempos de Davi e
Salomão sobre outras nações. A festa das
tendas, cenário da transfiguração (cf. Mc 9,5), era uma celebração nacional de
Javé rei e a festa preferida pelo povo para manifestar tal esperança messiânica
e triunfalista.
Nesta
expectativa messiânica, Jesus de Nazaré aparece diante do povo com fama de ser
um homem poderoso e milagreiro. Na
medida que Jesus fazia os milagres, a expectativa do povo em torno dele
aumentava. Foi nesta febre messiânica
que o povo queria consagrar Jesus como seu rei triunfante após a multiplicação
dos pães (cf. Jo 6, 14-15).
A
imagem do Messias que nasce da prática de Jesus (cf. Mc 1, 41; 2, 15; 10, 45;
11, 17) é exatamente o contrário da imagem apresentada pelas ideologias
messiânicas do seu tempo. Jesus
certamente queria libertar o povo de Israel de todas as suas opressões, mas de
outro jeito. Por isso, Jesus não se apresentou
como Messias, mas a partir de sua vida e sua prática foi reconhecido pelos
pobres como o enviado de Deus. Ele insiste no messianismo do Servo Sofredor de
Javé, anunciado pelo profeta Isaias (Is 53, 1-13). Sua missão consiste em passar pela
paixão-morte-ressurreição, e isso ele dizia abertamente (cf. Mc 32a ).
O
messianismo triunfalista não é parte apenas do passado, ainda hoje ele é moda.
No mundo onde grande parte da população vive em condições miseráveis e parte
parece ter perdido o sentido de viver, os movimentos messiânicos aumentam cada
vez mais o número de seus membros. Em
toda parte há pessoas que rezam, cantam e fazem promessas de diversos tipos,
pedindo intervenção imediata de Deus para a solução dos problemas sem nenhum
tipo de comprometimento. Muitas pessoas
esquecem da presença de Deus já encarnado neste mundo e nada fazem para
melhorar a situação injusta e desumana junto com Ele.
Discípulo
e Comunidade de Jesus
O Evangelho de
Marcos é uma escola para se tornar discípulo e discípula do Senhor, assumindo o
seguimento de Jesus e a vida em Comunidade. Nele vemos retratados os desafios e
as dificuldades que afetam os discípulos de Jesus e a vida em Comunidade de fé.
Mas encontramos, sobretudo, o incentivo e a esperança de quem deseja trilhar o
caminho do serviço, da humildade e do amor; o caminho de Deus, que passa pela
cruz.
É preciso fazer
este caminho com o coração cheio de esperança; colocar nossos pés nas pegadas
dos discípulos; ter atenção aos lugares, ao ambiente e às pessoas; perceber os
sentimentos presentes no coração do povo, dos interlocutores, dos discípulos e
do próprio Jesus; no entanto, o mais importante é ter os nossos olhos fixos na
pessoa de Jesus que se revela como o Filho de Deus, esperança de vida e
salvação para a humanidade e para cada um de nós, em particular.
A ação e a
mensagem de Jesus se entrelaçam nas tramas da história, nas reações humanas de
acolhimento e rejeição, adesão e suspeita, entusiasmo e perplexidade. No
entanto, o evangelho de Marcos é o perfeito retrato de cada um de nós e de
nossas Comunidades que buscam a face do Senhor e desejam viver a vida de fé em
meio às incertezas, inseguranças e instabilidades deste mundo. Os discípulos
sentiram as mesmas dificuldades que sentimos. A Comunidade de Marcos passou por
desafios semelhantes aos nossos. É preciso se colocar na escola de Jesus, na
procura de respondermos sempre e em toda parte: “Quem é Jesus e quem são os
seus discípulos?”
O evangelho
mostra claramente, um entusiasmo inicial empolgante – como todas as pessoas que
fazem planos, iniciam uma atividade ou desejam seguir um caminho. Todos se
sentem atraídos pela pessoa de Jesus e animados pelos seus “milagres”. Porém,
logo começam as contradições e Jesus passa a não corresponder com a idéia que
eles faziam do “Messias” esperado. Jesus e sua proposta parecem incomodar e criar
dificuldades nos diferentes grupos. Surge a luz escura da cruz e o
não-entendimento toma conta do coração deles. Os discípulos terminam cheios de
assombro, não compreendendo a pessoa de Jesus e sua missão e com medo. No
final, poucas pessoas conseguem ver aquilo que já estava dito no primeiro
versículo do evangelho, que Jesus era o Filho de Deus. É gritante a
contradição, pois o reconhecimento vem por parte de um cego, Bartimeu (10, 52)
e de um pagão, soldado romano (15,39). Apesar disso, na conclusão do evangelho
cresce a vitória sobre a morte e aparece como luz irradiante a Boa Notícia (15,
42ss): “Ele vai à vossa frente para a Galiléia” (16,7), lá onde tudo começou. É
o convite a refazermos o caminho com Jesus, o caminho da vida nova e da
salvação.
Assim, o
discípulo e a Comunidade de Jesus devem percorrer o caminho do evangelho para
estarem com Jesus e compartilharem seu destino e sua missão.
Ausência e Presença de Jesus: O túmulo vazio
Como
conta o “final original” do Evangelho de Marcos, no primeiro dia da semana,
três mulheres levam perfumes com a intenção de ungir o corpo de Jesus dizendo
entre si “Quem vai tirar para nós a pedra da entrada do túmulo?” Tudo parece indicar fragilidade e pequenez. Elas haviam testemunhado o trágico desfecho
da vida de seu Mestre (Mc 15, 40 – 41) e agora estão diante do mistério do
túmulo vazio. Nesta hoja elas receberam
o anúncio e o encargo de comunicar aos discípulos que se dirijam à Galiléia. O susto e o medo destas mulheres refletem a
ambigüidade das atitudes diante da mensagem central de todos os Evangelhos – a
ressurreição de Jesus.
Marcos
16, 1-8 constitui o final primitivo do Evangelho que relata o anúncio de um
jovem às mulheres “Ele ressuscitou! Ele não está aqui” e testemunha a
experiência da ressurreição pelo fato de que o túmulo está vazio. Neste primeiro e mais antigo final do
Evangelho não há relato de aparições de Jesus.
O sinal da ressurreição é o túmulo vazio “Vejam o lugar onde o puseram”. A experiência da ressurreição não é apenas um
encontro com um corpo redivivo, mas um convite para encontrar Jesus onde tudo
começou: na Galiléia, no anúncio da
Boa-Notícia (Mc 1, 14-15). A ordem é
voltar para a missão.
O túmulo
vazio é o sinal de que a ação de Deus em Jesus não termina aí,na morte e no
medo. Jesus de Nazaré ressuscitou e vai
estar de novo no lugar onde havia começado sua atividade: na Galiléia. Os discípulos só poderão encontrar-se denovo
com Jesus, se continuarem o projeto por ele iniciado. (Bíblia
Pastoral)
Marcos
nos convida a fazer a experiência da ressurreição no retorno à missão. É na
comunidade missionária que Jesus se faz presente, vivo, ressuscitado, pela
fração do pão pela Palavra. É na
comunidade que escutamos a Palavra viva que nos vem através do testemunho das
mulheres que receberam o anúncio “Não fiquem assustadas... Ele
ressuscitou!”.
Crer
na ressurreição é voltar para a Galiléia, reunir a comunidade, afugentar o medo
e a tristeza, partilhar as experiências na alegria, continuar a missão de Jesus
através da vivência em comunhão e da solidariedade com os mais necessitados.
Muitas vezes os discípulos deixaram de entender o que Jesus dizia e fazia (Mc
6, 52; 8, 17; 9, 10-32). No retorno a missão tudo irá começar a clarear, os
gestos e as palavras de Jesus irão atingir plenamente seus significados.
Hoje somos
convidados a fazer o mesmo: celebrar a
páscoa, a ressurreição de Jesus Cristo que se manifesta na missão da Igreja,
que leva vida a todas as pessoas. Também
somos chamados a descobrir e ir ao encontro de Jesus nas “Galiléias” de hoje,
onde encontramos apelos por “boas-notícias” e fazemos a experiência da páscoa
do Senhor, de sua morte e ressurreição.